domingo, agosto 22, 2010

Pretos e Lobos*

Entre as potências de Exu Tranca-Rua, Pomba-Gira e Exu Caveira, o semi-personagem dono do verbo conta a história que quero recontar aqui. Certa feita ele, branco de classe média da Zona Sul, tocava bateria para o preto de morro Luiz Melodia. O preto teria olhado de revés pra ele (algum olhar parecido com o dos pretos velhos que acabam de chegar aqui) e perguntado: - Você sabe o que é suingue? O lobo pensou que pensava que sabia. O preto lhe disse então: - Didi (jogador de futebol de outras eras) dizia que o gol não é uma meta, é um acidente... é como preto quando trepa, vai bulinando, bulinando até que acontece um acidente, porque preto não tem pressa, não quer ir a lugar nenhum porque sabe que não há outro lugar senão o que se está. Branco não, branco tá sempre pleiteando algum ranking, embriagado de meta, de nada... É por isso que eu toco pra trás e você toca pra frente...

*Deuses Embusteiros era o título do Café Filosófico do Lobão que eu assisti hoje. Recomendo. http://www.cpflcultura.com.br/site/2009/11/30/integra-a-volta-dos-deuses-embusteiros-lobao/

quinta-feira, agosto 19, 2010

Ecos do post anterior: "miséria casamenteira contaminada de sexo pornograficamente coreografado"...

Tenho asco dessa mulherzinha escolhida a dedo. Mulherzinha que pinta de tintas pálidas nosso intenso rock n' roll embriagado e ticudo... palidez de costas curvadas, óculos de aros finos na ponta do nariz e cabelo escorrido dividido de lado. A que horas ela conseguiu deixar-te com a cara dela? Em que momento deixaste de te envergonhar com a própria submissão? Joguei todas as playboys dele fora! brada a mulherzinha frágil e fotofóbica para todos na mesa saberem quem é que manda na tua vida. Mas tua cara, já empalidecida, afirmava esta atitude como parte da meritocracia da boa esposa que escolheste a dedo. Que miséria!

Quereria vê-la em alguma alcova sadeana, pedindo-te enjoadamente para que tu a levasses embora enquanto tu te refestalavas entre duas nefastas e pedias que o próximo a currasse sobre algum lençol sujo de porra... sem deixares de arrematar, com aquela tua gargalhada sarcástica que nunca mais ouvimos: – E bate uma foto!

Imagem: Filme Revolutionary Road, em português, Foi apenas um sonho. EUA, 2008. Direção: Sam Mendes

o eterno retorno das reticências

Alguns encontros me deixam embasbacada (nunca havia escrito essa palavra antes, são coisas que se diz, mas raramente se escreve)... e são quase sempre encontros com a escrita. Sim, alguns encontros corpóreos também (questão sobre a possibilidade corpórea de um livro), mas há muito tempo não encontrava literatura embasbacante... Encontrei esses dias, um livro emprestado e guardado na estante sem que ultrapassasse a primeira página - não quero saber de escrituras sobre relacionamentos amorosos - pensei, um pouco pedindo a negação que funciona e um pouco ressentida de minhas evidentes ausências. Mas a Inês Pedrosa de Fazes-me Falta me embasbacou e abriu aquela permeabilidade ao embasbacamento um tanto obstruída há algum tempo... Um livro sobre dois, e por que dois, muitos... Ele fala, ela fala. Mas são falas há anos-luz de distância da pobreza das discussões de relação. Eles são amigos, eles são amantes, eles são confidentes, eles são opositores, eles são cúmplices, eles são homem e mulher, eles são desconhecidos, eles são irmãos, eles são o que já não se pode nomear, eles estão separados e eles estão juntos... "uma nova suavidade"* criando buracos em meu impermeabilizante medo da miséria casamenteira contaminada de sexo pornograficamente coreografado. E na abertura de minha capacidade embasbacante encontro a escrita continuamente penetrante do que foi à primeira vista uma atraente imagem, depois uma voz, depois uma música, depois um sorriso, depois uma gargalhada, depois um sonho, depois um pesadelo, depois uma ideia, depois uma frase, depois um convite, depois uma espera, depois uma decepção, depois uma desistência, depois um olhar, depois uma insistência, depois... palavras embasbacantes que insuflam de encanto estereotipáveis camisas brancas...
Nunca as reticências tiveram tanta certeza de sua permanência: não seremos impermeáveis pontos finais...

*Ver: Amor, territórios de desejo e uma nova suavidade. Em: Guattari; Rolnik. Micropolíticas. Cartografias do Desejo. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1986.