quarta-feira, dezembro 22, 2010

de dezembro a janeiro

Dezembros é o nome de um disco da Bethânia, homenagem a todos os outros que ela gravara em dezembro. Talvez o Dezembros tenha sido o último dezembro: fechou um ritual com outro e foi experimentar outros momentos.
Nunca fui religiosa e a transcendência me captura cada vez menos, mas cada vez mais gosto de rituais. Não esses de bruxinha de shopping que faz mandinga sem sangue pra arrumar namorado, mas daquele momento em que uma mistura de coisas se torna produtora de uma atmosfera rara. Não paramos para anotar a receita, sabemos imeditamente que esse momento não se repetirá porque um euzinho qualquer o deseja. Mas passamos a ter uma percepção mais sagaz dessas atmosferas sagradas.
Os rituais são para salvaguardar as atmosferas, não deixá-las contaminar de afetos quaisquer, as ligações entre os elementos envolvidos ficam fortes, produz-se uma conexão que ergue muros de sensação na mesma proporção em que os egos se desfazem... E aí, a luz da vela, a taça de vinho, a música, a brisa que entra pela janela, o olhar, os cheiros, as águas dos corpos, nada se deixa desvencilhar... e tudo tem a mesma importância!



"I'm getting better, beta, Beta, Bethânia... please send me a letter... I wish to know things"

quarta-feira, dezembro 01, 2010

CASA DE VÓ*


Quando eu era pequena, ela morava longe. Vinha uma vez por ano de uma longínqua Paraná, com a bagagem cheia de ingredientes para as festas de fim de ano. E aí era aquela função de temperar, fazer recheios, sobremesas... E aquela casa, sempre fechada que eu visitava com a mãe para ver se estava tudo bem, se enchia de luz e gente...
Eu e os primos correndo pela casa e quase sempre indo parar no sobrado: lugar mágico com portas para esconderijos escuros, bonecas assustadoras, espelhos distorcidos e até um baú de fantasias! Cuidado com a escada! alguém gritava da cozinha.
No lote dos fundos havia um pombal e um parreral. Os verões eram para a feitura das chimias e do suco de uva coado em saco de pano. Minhas lembranças de infância da vó são lembranças de verão. E era assim a casa da vó, sempre uma caixinha de histórias pra fuçar: procurar uma coisa e achar outra.
Quando eu cresci ela voltou a morar por aqui e eu continuei a fuçar nas coisas dela, não mais procurando brinquedos, mas vestidos, botões, fitas, ajeitando a roupa da próxima festa, encontrando o retalho daquela renda que não existe mais... — Vó, dá um pontinho aqui? — Vó, dá uma costuradinha nessa faixa? — Vó, faz uma manta preta? Vó, faz uma manta rosa? — Uma verde? — Uma bege? — Uma colorida? — Mas tem que ser de croché!
E ainda é assim, a casa da minha vó, lugar com cheiro de sopa de manhã e de bolo de tarde, lugar de ajeitar as coisas, lugar de fazer croché, dos panos de prato aos sapatinhos de bebê, que agora são para as bisnetas...
Vó Emília, muito obrigada por tantos anos de vida!

*Texto lido no almoço de comemoração dos 90 anos da minha avó, em Veranópolis, 28 de novembro de 2010.

quinta-feira, novembro 11, 2010

Adiar não é verbo que se preze

Eu gostaria de gritar bem, bem alto, tão alto que me ignorar seria tão atormentante que tornaria muito, muito mais fácil simplesmente me amar para depois, num silêncio tranquilo, com aquele leve sorriso no canto da boca que só um gozo prazeroso sabe produzir, podermos dormir. E aí sim poderíamos descansar de nossas exaustões tarefeiras que nos paralisam de medo de não termos tempo e espaço para... simplesmente amar. Mas não, eu não posso gritar, senão te acordo da angústia. Pois sim, mantenhamo-nos exaustos e amedrontados, dormindo mal, maltratando o amor para mal cumprir nossas incansáveis tarefas. Afasto-me devagar, encosto a porta quase sem respirar, pra não te acordar... e não durmo mais. E então, adio o texto que desesperadamente devo escrever para amanhã, adio o descanso, adio o amor... e ainda adio o adeus.

quarta-feira, outubro 13, 2010

um e outro


Enquanto tentamos escapar de um lar cheio de miséria casamenteira, acabamos apanhados pela regra... De javu... "Como fazer do sofrimento a potência da revolta e não o xilique da mulherzinha?"*. Encontro desidealizações. É bom. É hora de saber de quanta força se precisa para ficarmos um com o outro sem nos afundarmos um ao outro em nossas imensas solidões e, ao mesmo tempo, mantê-las como a uma reserva de oxigênio. Pois o discurso de liberdade de um pode se construir sobre a prisão do outro, submisso à regra muda de não poder reclamar. E o que parece uma entrega descompromissada, pode estar guardando a fatura para amanhã. E os que se guardam hoje, deixam a vida pra quando o carnaval chegar. E quando o carnaval chega, guardaram muito, mas já não dispõem de mecanismos de entrega... Equações difíceis para os ateus, que sabem que amanhã é mera especulação e não temos nada além do que nos acontece: malditas expectativas...


*Ver post Entre Cinderelas e Monstros de 13 de janeiro de 2009 e Amor com amor se paga? de 07 de agosto de 2007

quinta-feira, outubro 07, 2010

o quereres


O mergulho é o mais fundo porque é o mais superficial:
a pele se esgarça e se oferta ao mar em volta
e toda a distância se torna o que há de mais próximo.
Entre a minha pele e a tua existe a umidade do mundo:
o mais aterrorizante dos mares a nadar é o mar já nadado.
Toda a intensidade desconhecida é assim assustadora porque se torna,
estranhamente,
a mais familiar das querências.

sábado, setembro 11, 2010

A História das Mãos

O tempo age, e só assim podemos sentir sua passagem... tempo perdido, é tempo que passa sem fazer. Sentimos o tempo agir, com todo o passado feito agindo sobre o presente*. E, de repente, o que funcionava não funciona mais, ou funciona de outra maneira. Eu acredito mais no que meu olho vê no olhar do outro, desconfio mais porque confio mais nos sinais que o tempo fez em mim. Se preciso de palavras para além dos gestos é porque aprendi que são as palavras que fazem os gestos durarem... gesto sem palavra é memória fugidia, vai embora fácil como chega. As palavras não, constroem a história das mãos que tocam, cravam a memória do corpo na memória da narrativa, cicatrizes invisíveis. Mãos sem história não funcionam mais... Agora, "no seu beijo, falta corte"...
*Ver: conceito de cone do tempo. Em: Henri Bergson. Matéria e Memória.
Escultura de Auguste Rodin

domingo, agosto 22, 2010

Pretos e Lobos*

Entre as potências de Exu Tranca-Rua, Pomba-Gira e Exu Caveira, o semi-personagem dono do verbo conta a história que quero recontar aqui. Certa feita ele, branco de classe média da Zona Sul, tocava bateria para o preto de morro Luiz Melodia. O preto teria olhado de revés pra ele (algum olhar parecido com o dos pretos velhos que acabam de chegar aqui) e perguntado: - Você sabe o que é suingue? O lobo pensou que pensava que sabia. O preto lhe disse então: - Didi (jogador de futebol de outras eras) dizia que o gol não é uma meta, é um acidente... é como preto quando trepa, vai bulinando, bulinando até que acontece um acidente, porque preto não tem pressa, não quer ir a lugar nenhum porque sabe que não há outro lugar senão o que se está. Branco não, branco tá sempre pleiteando algum ranking, embriagado de meta, de nada... É por isso que eu toco pra trás e você toca pra frente...

*Deuses Embusteiros era o título do Café Filosófico do Lobão que eu assisti hoje. Recomendo. http://www.cpflcultura.com.br/site/2009/11/30/integra-a-volta-dos-deuses-embusteiros-lobao/

quinta-feira, agosto 19, 2010

Ecos do post anterior: "miséria casamenteira contaminada de sexo pornograficamente coreografado"...

Tenho asco dessa mulherzinha escolhida a dedo. Mulherzinha que pinta de tintas pálidas nosso intenso rock n' roll embriagado e ticudo... palidez de costas curvadas, óculos de aros finos na ponta do nariz e cabelo escorrido dividido de lado. A que horas ela conseguiu deixar-te com a cara dela? Em que momento deixaste de te envergonhar com a própria submissão? Joguei todas as playboys dele fora! brada a mulherzinha frágil e fotofóbica para todos na mesa saberem quem é que manda na tua vida. Mas tua cara, já empalidecida, afirmava esta atitude como parte da meritocracia da boa esposa que escolheste a dedo. Que miséria!

Quereria vê-la em alguma alcova sadeana, pedindo-te enjoadamente para que tu a levasses embora enquanto tu te refestalavas entre duas nefastas e pedias que o próximo a currasse sobre algum lençol sujo de porra... sem deixares de arrematar, com aquela tua gargalhada sarcástica que nunca mais ouvimos: – E bate uma foto!

Imagem: Filme Revolutionary Road, em português, Foi apenas um sonho. EUA, 2008. Direção: Sam Mendes

o eterno retorno das reticências

Alguns encontros me deixam embasbacada (nunca havia escrito essa palavra antes, são coisas que se diz, mas raramente se escreve)... e são quase sempre encontros com a escrita. Sim, alguns encontros corpóreos também (questão sobre a possibilidade corpórea de um livro), mas há muito tempo não encontrava literatura embasbacante... Encontrei esses dias, um livro emprestado e guardado na estante sem que ultrapassasse a primeira página - não quero saber de escrituras sobre relacionamentos amorosos - pensei, um pouco pedindo a negação que funciona e um pouco ressentida de minhas evidentes ausências. Mas a Inês Pedrosa de Fazes-me Falta me embasbacou e abriu aquela permeabilidade ao embasbacamento um tanto obstruída há algum tempo... Um livro sobre dois, e por que dois, muitos... Ele fala, ela fala. Mas são falas há anos-luz de distância da pobreza das discussões de relação. Eles são amigos, eles são amantes, eles são confidentes, eles são opositores, eles são cúmplices, eles são homem e mulher, eles são desconhecidos, eles são irmãos, eles são o que já não se pode nomear, eles estão separados e eles estão juntos... "uma nova suavidade"* criando buracos em meu impermeabilizante medo da miséria casamenteira contaminada de sexo pornograficamente coreografado. E na abertura de minha capacidade embasbacante encontro a escrita continuamente penetrante do que foi à primeira vista uma atraente imagem, depois uma voz, depois uma música, depois um sorriso, depois uma gargalhada, depois um sonho, depois um pesadelo, depois uma ideia, depois uma frase, depois um convite, depois uma espera, depois uma decepção, depois uma desistência, depois um olhar, depois uma insistência, depois... palavras embasbacantes que insuflam de encanto estereotipáveis camisas brancas...
Nunca as reticências tiveram tanta certeza de sua permanência: não seremos impermeáveis pontos finais...

*Ver: Amor, territórios de desejo e uma nova suavidade. Em: Guattari; Rolnik. Micropolíticas. Cartografias do Desejo. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1986.

quinta-feira, julho 29, 2010

acontecimentos

Enquanto você se esforça pra ser...
eu experimento estar...
Só somos livres no que nos acontece, é só no que nos acontece que podemos agir, atuar, viver.
O que não acontece não existe e portanto não será, por mais que tentemos "chegar lá" ou descobrir, enfim, "o segredo".
Então, eu quero estar completamente no que me acontece e em nenhum outro lugar, é do que me acontece que arrancarei a vida que o desejo pode produzir, a beleza que um instante pode dar, o colorido de um sol que nunca pensou no conceito de amanhã, de sonho, de ideal...
"A lição que o sol me traduz: viver da própria luz"

sábado, junho 19, 2010

Saramago - Nietzsche - Dioniso

"(...). Nunca se pode saber de antemão de que são capazes as pessoas, é preciso esperar, dar tempo ao tempo, o tempo é que manda, o tempo é o parceiro que está a jogar do outro lado da mesa, e tem na mão todas as cartas do baralho, a nós compete-nos inventar os encartes com a vida, a nossa,(...)"


José Saramago. Ensaio sobre a cegueira. SP: Companhia das Letras, 1995. p. 302-3.

sexta-feira, junho 18, 2010

plano de análise


O que se anuncia é uma pensamento (psic)analítico... às vezes, neste lugar do analista, ocorrem fenômenos impressionantes, por exemplo, quando do alto de uma sintomatologia profundamente sofrida encontramos um sujeito e uma singularidade que nos faz pensar - que pessoa fantástica! - . Como arrancar dela tamanha criação? Sim, porque arrancando seu sintoma arrancamos também sua vida e sua arte... Estaria eu no lugar de abrir o espaço liso onde essa sintomatologia possa traçar um plano de composição? O espaço analítico como plano de composição... Uma conversa infinita, pura ampliação de território, desterritorialização do sintoma como possibilidade de reterritorialização em outro lugar... Nomadismo e máquina de guerra analítica. A saúde na doença, a arte na tragédia!
E eu passo a entender Deleuze: grandes escritores são grandes sintomatologistas.
E grandes analistas hão de ser grandes cartógrafos...

domingo, junho 13, 2010

Filmes de Terror

Ontem era dia dos namorados. E eu não vou reclamar da solteirice porque seria muito bom reclamar disso apenas um dia por ano, mas farei algumas observações a respeito.
Ontem, a televisão transmitiu um excesso inacreditável de filmes conhecidos sob o gênero de comédias românticas (isso descontando que era dia de casamento na novela das oito e a noiva em questão, se não casasse com Marcelo Antony poderia se casar com Rodrigo Lombardi!). Basicamente os roteiros desses filmes trazem como protagonistas uma mulher na faixa dos 30 com traumas amorosos (pode ser tanto de namorar muitos "caras errados" como de nunca namorar ninguém) e um cara atrapalhado, tipo anti-galã ou então o próprio galã acostumado a namorar mulheres lindíssimas, mas vazias, e que, portanto, nunca conheceu "o verdadeiro amor". O casal se encontra em alguma situação inusitada, eles resistem, se magoam, passam por dificuldades, mas no fim, descobrem que foram feitos um pro outro e óbvio, ficam juntos.
Bom, tinha maratona Hugh Grant no Universal, Meg Ryan na Record e no SBT, Procura-se uma Noiva na Globo. Fui zapeando e assistindo um pouco de cada um e fiquei abismada. O clímax foi o final do filme que passava na Globo: um mar de noivas (sério! era um mar!) se aglomerava em frente a um palácio candidatando-se ao casamento com o príncipe encantado da vez. Gente! Eu sei que os meios de comunicação não gostam de solteiros porque não gastarão um tostão no dia dos namorados, mas será que os produtores não pensam que podem produzir mais suicídios nas solteiras que não encontram seu par ideal perfeito ou esquisito num encontro esquisito ou perfeito, do que potenciais consumidoras de lingerie sexy e perfumes masculinos no ano que vem?
Isso sem falar em todas as lojas, restaurantes e bares. Não, solteiras não querem sair no dia dos namorados porque nenhuma promoção foi feita pra elas, nem sequer querem fazer uma jantinha com as amigas porque nesse dia, esses encontros ficam com cheiro de consolo coletivo. Nem querem tomar aquela garrafa de vinho caríssima que fazemos questão de não dividir com ninguém, porque sabem que vão acabar chorando e ouvindo música de corno, de abandono, essas coisas... Fariam isso ouvindo Rolling Stones em qualquer outro dia do ano!
Enfim, esse dia fica parecendo um filme de terror: tenho medo de sonhar com um coraçãozinho saindo do pacote de presente que eu não comprei nem ganhei vindo na minha direção pra me sufocar, ou então que moro num planeta em que tudo tem formato de coração, ou com aquele mar de noivas me pisoteando porque resolvi não correr a São Silvestre de Santo Antônio com elas!!! Cruzes!
Ta bom, ta bom, eu sei que existem homens solteiros por aí também, mas acho que não preciso explicar porque não os incluí nesta crônica, afinal homens não se comovem com comédias românticas! Apenas costumam achar bunitinho que a gente goste...
É, acho que to muito a fim de um cara errado!
PS: só pra constar, eu assisti tudo isso aguardando o início de On The Road back to Menphis, Tenessee, documentário regado a blues, guitarras e muito Jack Daniels , sobre o mestre B. B. King. (Santa TV Cultura!)
Como diria o Jim Morrison:
"For the music is your special friend
Dance on fire as it intends
Music is your only friend
Until the end"

domingo, junho 06, 2010

Por um olhar

Ele passou e meus olhos se encontraram com os dele. Não conseguiram abandoná-los, só pediram que se aproximassem mais... Poderia ter sido um encontro qualquer se não tivesse sido tão bom. E assim os olhos viraram olhar, as bocas viraram beijo e os corpos viraram a intensidade que insistirá em durar na memória corporal.

*A trilha sonora é Tim Maia esperando pela Céu

domingo, maio 30, 2010

Jantar fora...

É isso: é jantar fora, fora de casa, fora dos sabores conhecidos, da iluminação familiar... Então esqueça aquele argumento espinosamente triste: "com esse dinheiro comia em casa por um mês" ou "dava pra comprar um sapato novo e ainda por cima duraria muito mais"... Inclusive se você for casado com alguém com talento culinário suficiente para superar muitos chefs por aí, isso passa a ser mais um motivo para jantar fora!
Sabores e atmosferas não foram feitos para durar, estamos pagando pela fugaciadade do prazer e isso, não tem preço. Não significa que devemos esquecer o saldo, mas apenas colocá-lo em suspensão momentânea, porque não há gozo que suporte a censura financeira. E estou dizendo tudo isso porque acabo de conhecer o corajoso Restaurante Bóris, que foi localizar seu charme em plena esquina da Osvaldo Aranha com a Santo Antônio. Investir no Bom Fim já ganhou vários pontos no meu rancking. Depois disso, um ambiente com muito pouca luz, velas em cima da mesa, clima aconchegante e um chef adentrando o salão tocando o acordeon que nos embarcaria para os tempos de nossos nonos...
Comi um nhoque, pois era este o cardápio de um esquecido dia 29... Pensei - devo comer o que não saberia fazer e que, na maioria das vezes, as pessoas não sabem: escolhi a opção que levava polvo, pois já comi muito polvo borrachudo mesmo pagando bem caro. Achei que era a grande chance do Chef Pepe Laytano me conquistar: e conseguiu! Foi o melhor polvo que eu já comi! E, diante do elogio (havia dito às minhas companheiras de mesa: não se pergunta a um chef como se faz; elogia-se, se ele quiser, ele dirá), ele me contou o segredo do ponto do polvo, o que eu elegantemente não passarei adiante...
Fico com o gostinho de aparecer lá de novo, provar o cardápio oficial, comer sobremesa, ouvir jazz e encontrar uma carta de vinhos um pouco mais abrangente...

domingo, maio 23, 2010

perfil destinado a uma agência de relacionamentos inexistente

Baba O'Riley do The Who a todo o volume
Campari com tônica, gelo e cubinhos de laranja
Internacional ganhando de um clube argentino na Libertadores
Domingo cozinhando para os amigos
Molho de tomate na panela de ferro por duas horas
Deleuze destruindo o pensamento ortodoxo
Beijo na boca com teletransporte
John Bonhan na bateria
O Livro das Ignarãças do Manoel de Barros em cima da mesa
Galera rasgando a viola nas frias madrugadas serranas até amanhecer
Roupa preta com bota de salto alto, lápis e rímel
As melhores ideias são as das crianças
O Album Branco dos Beatles em sábados de sol
Uma boa garrafa de cabernet sauvignon chileno
A Bethânia cantando
O capítulo das palavras incompreendidas d'A Insustentável Leveza do Ser
Leite frio com nescau quando acordar de ressaca
Sopa de legumes bem quentinha no jantar
Jimmy Hendrix na guitarra
Batuques, peles e amigas da Bahia
Suco de bergamota
O sol e o mar
Nietzsche na cabeceira
Cachaça é droga, tequila é overdose, vodka é amnésia, uísque é anestesia
Falso Brilhante da Elis Regina
Perfume de jasmin em noites quentes de lua cheia
Maçã fresca no meio da tarde
Vermelho para as intensidades, amarelo para as paredes, calor para os pulmões
Sexo com arte e gargalhada
Ritmo
Champagne ao pôr-do-sol
Ervilha enlatada sim, eu gosto
Ouvidos atentos ao repertório escolhido
Amassar o próprio pão e comer com requeijão
Arrogância portenha e displicência carioca
Macalé no violão
Tem coisas que só uma coca-cola normal faz por mim
As manhãs são para leitura e precisam de silêncio e chimarrão
As canções são do Chico Buarque
Morango com chocolate meio-amargo derretido no creme de leite
A trilha sonora das noites de sexta-feira é Rolling Stones
Queijo por cima
A cama não muito longe do chão
Bob Marley, Bob Marley e Bob Marley de novo
Os pássaros, os répteis e os discos de vinil
Manjerona e muitas pimentas
Sacanagem em doses homeopáticas
Gérberas de várias cores
Abacaxi suculento na sobremesa
Groove pra dançar sozinha e samba pra dançar juntinho
Furor de escrita na madrugada
Solidão para ir ao cinema ver os filmes que ninguém vê
A conversa é indispensável, mas o olhar é suficiente...






quarta-feira, maio 12, 2010

...



As reticências são minha pontuação favorita. Adoro aqueles três pontinhos que indicam algo por vir, algo que deixamos por completar, para que o leitor complete... Seja por que o não escrito é tão óbvio que se torna desnecessário escrevê-lo ou por que deixamos um espaço para a imaginação...

Nunca havia me apercebido que as reticências não poderiam ser mais do que os pontos finais dos reticentes...

sexta-feira, abril 30, 2010

Eu quero a minha senhaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!!!

Decorar senhas é fácil: do banco, do cartão de crédito, das contas de e-mail, do blog, da biblioteca, de cada uma das companhias aéreas, do site da operadora de celular, do plano de saúde... em inglês: password... literalmente, palavra de passagem, se você não souber: biiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii, passagem bloqueada!!! A vida também é cheia de palavras de passagem, mas se você errar uma dessas não aparecerá um link dizendo "esqueceu sua senha? ". Quando isso acontece na vida, você pergunta às estrelas:
- Que senha?
E as estrelas respondem:
- Sinto muito senhora, não posso permitir sua passagem sem esta senha.
E você tenta de novo:
- Onde posso conseguir esta senha?
- Isto não é neste setor, senhora. Tente a próxima, por favor.
- Que próxima?! Chance?! Senha?! Galáxia?!

domingo, abril 25, 2010

ALICE

Aviso: Não leia se ainda não viu o filme. Não me responsabilizo pelos efeitos do texto.

Que Tim Burton é americano, everybody Knows. Mas que Tim Burton poderia se transformar em um american idiot ninguém previa, até o lançamento de Alice in Wonderland.
Lewis Carroll era inglês e nunca escreveu um livro maniqueísta, quiçá um romance cuja protagonista enfrentaria 'o mal', paramentada de armadura e espada, no pior estilo mocinha-heroína-quase-feminista, que se defende dos acontecimentos com argumentos egóicos do tipo "é meu sonho" e controla e desvaloriza o mundo fantástico com palavras de ordem paternas do tipo "nada me fará mal".
Alice é a personagem que mergulha nos paradoxos de um mundo sem moral. As cenas da queda na sala pareciam anunciar que Tim Burton havia entendido isso: não há em cima e em baixo, Alice cresce porque fica pequena e fica pequena porque cresce. O tempo passa porque Alice não sabe quem é e ninguém sabe... perder a identidade é a ética proposta por Lewis Carroll: "Cortem as cabeças!!! Hoje é o dia do seu desaniversário!!!" Mas Tim Burton a conserva em sua moral de rainha boa e bela contra rainha má e feia, com direito a trilha-climão-tensão chatíssima e sem direito a Franz Ferdinand e outros rocks anunciados que poderiam salvar esse filme de ser um blockbuster quase sonífero.
Com um texto original que permitiria um roteiro fantástico, Tim Burton prefere a prisão de um roteiro sem nenhuma surpresa e o nome de tudo isso é 'livre adaptação'.
E não aliviará a barra do diretor dizer que Alice é um blockbuster clichê porque é um filme Disney, pois o desenho animado produzido pelos estúdios dá muito mais vazão à fantástica fábrica de paradoxos de Lewis Carroll que o filme de Tim Burton. Disfarçado de adulto, é mais infantil que qualquer criança...
Nem tivemos festa de desaniversário!!!
Salva-se a impecável direção de arte, a sempre brilhante atuação de Jhonny Depp e as saudades de Big Fish, quando Tim Burton sabia que a divisão entre realidade e sonho de nada servia. A Alice de Lewis Carroll sabia, sabe e saberá, como qualquer criança.

sexta-feira, abril 23, 2010

gradações de penetrabilidade


Eu estava lá compenetrada no palco que me cabe, aparecendo do jeito que sei aparecer, quando ele adentrou o recinto... andar elegante, camisa branca, óculos escuros e chapéu, um charme quase familiar embora eu não o conhecesse.
Foi cruzando o salão e, para minha surpresa, veio engrossar minha plateia. Olhar displicente, quase me ignorava em sua arrogância. Quase.
Mas eu decidi que ele me ignorava totalmente e então, inventei uma namorada pra ele. Sim, ele tinha namorada. Assim, aquele charme (quase) fake não me atingiria.
Eu resisti, eu continuo resistindo, compenetrada como pareço, impenetrável como sou.
E eis que em sonho, aquele charme encontrou a familiaridade que eu não reconhecia. Típica familiaridade assustadora das vidas que já foram...
E em música atingiu meu ouvido, meu gosto e minha voz.
Assustadora impenetrabilidade tentando se esburacar, pedindo para ser esburacada e penetrada.
Não, ele não tem namorada.
E eu adoro camisa branca!

quinta-feira, abril 15, 2010

devir-animal

eu não quero ser uma abelha,
quero ser uma colméia,
que se espalha pra caçar pólen
e se junta pra fazer mel...

quarta-feira, março 31, 2010

as gárgulas que guardam o caminho da ponte

Enquanto meu corpo tenta desesperadamente reter a memória dos braços morenos das luas da Bahia, a memória natal me enreda, se repete na brabeza dos autoacidentes que batem à minha porta pra dizer que o que me ama é o que eu não quero lembrar. A voz do canto, a doçura da gargalhada, o gozo encharcado se reaprisionam nas gárgulas petrificadas que guardam o caminho da ponte para o sol. E devoram carpas e tartarugas e borboletas em seus rostos ameaçadores. Olhos de quem me lançará precipício abaixo e nunca mais meu corpo será encontrado... Fantasmas rondando meu portão e eu continuo gritando que não gosto de couve-flor!!!

sábado, janeiro 23, 2010

reveillons

2010... Número bonito, redondo, inteiro, profético... é janeiro e eu já fui ao mar, já entreguei uma rosa vermelha pra Iansã, uma amarela pra Oxum e uma branca pra Iemanjá... Eu já me deliciei nos gozos pedidos, eu já me despedi das durações repetidas, eu estou esperando os outros nós dos laços vermelhos, a riqueza das calcinhas amarelas, e as surpresas prometidas. Sim, eu, a desencantada, estou esperando, querendo, tendo certezas de que a vida será tudo que deve ser: rica, farta, intensa, musical e encantada. Aqui, dentro do meu coração é Reveillon todo dia: estouro os fogos e as champanhes, oferto o que tenho e espero o futuro como quem o gera.