quarta-feira, dezembro 22, 2010

de dezembro a janeiro

Dezembros é o nome de um disco da Bethânia, homenagem a todos os outros que ela gravara em dezembro. Talvez o Dezembros tenha sido o último dezembro: fechou um ritual com outro e foi experimentar outros momentos.
Nunca fui religiosa e a transcendência me captura cada vez menos, mas cada vez mais gosto de rituais. Não esses de bruxinha de shopping que faz mandinga sem sangue pra arrumar namorado, mas daquele momento em que uma mistura de coisas se torna produtora de uma atmosfera rara. Não paramos para anotar a receita, sabemos imeditamente que esse momento não se repetirá porque um euzinho qualquer o deseja. Mas passamos a ter uma percepção mais sagaz dessas atmosferas sagradas.
Os rituais são para salvaguardar as atmosferas, não deixá-las contaminar de afetos quaisquer, as ligações entre os elementos envolvidos ficam fortes, produz-se uma conexão que ergue muros de sensação na mesma proporção em que os egos se desfazem... E aí, a luz da vela, a taça de vinho, a música, a brisa que entra pela janela, o olhar, os cheiros, as águas dos corpos, nada se deixa desvencilhar... e tudo tem a mesma importância!



"I'm getting better, beta, Beta, Bethânia... please send me a letter... I wish to know things"

quarta-feira, dezembro 01, 2010

CASA DE VÓ*


Quando eu era pequena, ela morava longe. Vinha uma vez por ano de uma longínqua Paraná, com a bagagem cheia de ingredientes para as festas de fim de ano. E aí era aquela função de temperar, fazer recheios, sobremesas... E aquela casa, sempre fechada que eu visitava com a mãe para ver se estava tudo bem, se enchia de luz e gente...
Eu e os primos correndo pela casa e quase sempre indo parar no sobrado: lugar mágico com portas para esconderijos escuros, bonecas assustadoras, espelhos distorcidos e até um baú de fantasias! Cuidado com a escada! alguém gritava da cozinha.
No lote dos fundos havia um pombal e um parreral. Os verões eram para a feitura das chimias e do suco de uva coado em saco de pano. Minhas lembranças de infância da vó são lembranças de verão. E era assim a casa da vó, sempre uma caixinha de histórias pra fuçar: procurar uma coisa e achar outra.
Quando eu cresci ela voltou a morar por aqui e eu continuei a fuçar nas coisas dela, não mais procurando brinquedos, mas vestidos, botões, fitas, ajeitando a roupa da próxima festa, encontrando o retalho daquela renda que não existe mais... — Vó, dá um pontinho aqui? — Vó, dá uma costuradinha nessa faixa? — Vó, faz uma manta preta? Vó, faz uma manta rosa? — Uma verde? — Uma bege? — Uma colorida? — Mas tem que ser de croché!
E ainda é assim, a casa da minha vó, lugar com cheiro de sopa de manhã e de bolo de tarde, lugar de ajeitar as coisas, lugar de fazer croché, dos panos de prato aos sapatinhos de bebê, que agora são para as bisnetas...
Vó Emília, muito obrigada por tantos anos de vida!

*Texto lido no almoço de comemoração dos 90 anos da minha avó, em Veranópolis, 28 de novembro de 2010.