segunda-feira, dezembro 21, 2009

SONHO

Já pensei muito sobre sonhos... Já li muito também: Freud, Jung, Deleuze, Guattari, astrologia, crenças populares... Sonhos como reminiscências, sonhos como deslocamentos, como mitologia universal, como realização de desejos recalcados, como elaboração de restos diurnos, como produção inconsciente, como presságio, como simbologia... Acredito em tudo, um pouco.
Mas alguns sonhos têm capacidades especiais. Ficamos sentindo seus efeitos ao longo do tempo, como se tivessem sido corporalmente vividos, assustadoramente vívidos em sua capacidade de ressucitar os mortos. Por um lado a sensação de ter podido viver o impossível, por outro a raiva de não poder escolher viver mais e de fazer durar essa pergunta infernal, que fica querendo dizer algo, que fica fazendo memória onde tinha vingado, a duras penas, o esquecimento...
Eu achava que tinha esquecido aquela gargalhada ferina, aqueles olhos incisivos de quem nunca consegui desviar, aquela capacidade de perguntar exatamente sobre aquilo que eu tentava desesperadamente esconder... Lembro deles agora como se fosse hoje, "a primeira manhã que te perdi"...

domingo, novembro 22, 2009

os discos

Justamente nos tempos de proclamação do fim do formato, a pedidos, faço uma lista, não dos melhores discos da história, mas dos melhores discos da minha história. Há grandes discos que ouvimos, sabemos que são bons, mas não duram, esquecemos, deixamos criar pó. E há discos que, uma vez ouvidos, nunca mais saem dos tímpanos, da memória, dos toca-discos, dos players, como se a repetição só os fizesse melhores, mais intensos, mais próximos. Esses são os que habitam essa lista, discos que marcaram o tempo com descobertas e desvios e na descoberta e no desvio permanecem...

Então, por ordem de aparição:

Falso Brilhante - Elis Regina, 1976. Reza a lenda que eu ouvi esse ao chegar, recém nascida, do hospital. Elis, a cantora da minha vida, a intérprete, a emocionada, a sem papas na língua, a especialista em repertório, esse disco é seu auge se entregando às guitarras.

Como Dizia o Poeta - Vinícius de Moraes, Toquinho e Marilha Medalha, 1971. É o velho Vina se entregando à Bahia. Deve ser o responsável pela sambista preta que nasceu cedo no corpo dessa gringa.

Meus Caros Amigos - Chico Buarque, 1976. O passaredo falava da paixão do pai e alegrava minhas curiosidades de criança. ‘Que passarinho é esse, pai?’ Mas ali outra pergunta, nunca se calou - O que será?

Que País é Esse? - Legião Urbana, 1987. 10 anos, férias de julho na capital e meu primeiro disco de rock. E a pergunta-título dura.

O Blesq Blom - Titãs, 1989. Depois de uma briga na noite de Natal por não ter gostado de uma sandália horrorosa presente das tias, aquele primo-punk abre mão de seu presente e me dá o último disco dos Titãs com o Arnaldo Antunes: isso sim era presente!

The Wall - Pink Floyd, 1979. Oitava série, junto com a descoberta do filme, o fascismo da escola e certo cultivo de uma estética suicida...

Waiting for the sun - The Doors, 1968 . An american prayer: drogas, botas cowboy, amantes bruxas, peyote, índios apaches, lagartos...

Acqualung - Jethro Tull, 1971. A flauta mágica, a trilha sonora perfeita pra subir a serra, de volta pra casa e pras lembranças dos tempos do Paiol, dos penhascos, das dores, das mortes...

Revolver – The Beatles, 1966. Sendo Beatles podiam ser vários, mas lembro quando os Beatles bateram em mim com a profundidade que eles merecem: foi com Eleanor Rigby. Na sequência viriam, Let it Be e Abbey Road.

In Throught The Out Door - Led Zeppelin, 1979. Empréstimo do Léo “all my love to you now”. E o baterista definitivo. Adoraria depois o II e o Physical Graffity.

Marisa Monte, 1988. Eu teria feito aqueles arranjos, eu teria cantado naquele tom, eu teria escolhido aquele repertório, coisa que a Marisa nunca mais fez... É meu disco da inveja, eu confesso. Apesar de outros grandes discos dela, nenhum outro caberia aqui.

Uprising – Bob Marley, 1980. Adoro, não canso de ouvir, gosto de tudo. Marco esse disco porque tenho um vinil da Paula Santana que apareceu lá por casa no início dos anos 90 e eu nunca mais devolvi.

A Fábrica do Poema – Adriana Calcanhoto, 1994. Poesia e sofisticação: uma viagem musical pela palavra.

Atom Heart Mother - Pink Floyd, 1970. A Psychodelic Breakfast: canções de ninar lôco...

A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado - Os Mutantes, 1970. Brazilian music: canções pra acordar lôco

A Tabua de Esmeraldas, Jorge Ben, 1974. Marcando o especialíssimo, mítico e mágico período Zazauera. Salve Jorge!

Maria Bethânia, 1969. Minha ligação com ela é espiritual, ritualística, vociferante e inexplicável. “Sai, sai, sai! Boa noite, meus senhores!”

Bicho de Sete Cabeças vol. II – Itamar Assumpção e As Orquídeas do Brasil, 1994. Vindo de uma extemporânea São Paulo junto com o Plínio, esse disco marca o repertório das Mulheres que Chicam (grupo onde me aventurei a cantar). O Nêgo Dito e toda sua singularidade: ninguém parece com ele!

Transa - Caetano Veloso, 1972. O nome do disco dispensa comentários. Mas comentarei o violão de Jards Macalé: instrumento de sonoridade inconfundível, depois que o conhecemos nunca mais deixamos de reconhecê-lo. Só não se sabe se reconhecemos o violão ou o Macalé, ou se aquele violão não toca daquele jeito sem o Macalé... Veio a ser minha trilha sonora baiana na viagem do verão de 2010.

Pérola Negra – Luiz Melodia, 1982. Melodia transviado, roqueiro de morro... Cantaria em tributo esse disco, música por música, exatamente naquela ordem...

Acabou Chorare - Novos Baianos, 1972. Pra quem não quer mais ser hippie... "vou mostrando como sou e vou sendo como posso, jogando meu corpo no mundo, andando por todos cantos e pela lei natural dos encontros, eu deixo e recebo um tanto e passo aos olhos nus ou vestidos de lunetas, passado, presente, participo sendo o mistério do planeta..."

A Ópera do Malandro – Chico Buarque, 1971. Eu e Lucia, Eu e Fichinha, Eu e Vitória, Eu e Geni, Eu e o teatro...

Mar de Sophia – Maria Bethânia, 2005. De sua geração, a única que só fica melhor. Esse disco me ajudou a deixar Carol na Bahia, na beira do cais. Esse disco me faz "respirar todo dia. Agora!”

terça-feira, novembro 03, 2009

pesadelos de uma noite de verão

Aos meus leitores peço desculpas...
Mas a escrita é de pesadelo. Noite infernal dos "sem-ar condicionado" somada aos "sem-tranquilidade emocional" com pitadas de saco-cheio de estampar sorrisos e "pensamentos positivos" quando olho para a vida e não encontro matéria-prima para tal tarefa, que me parece mais midiática que realmente experimentável. Sinto-me exausta de sonos de tormento e sonhos que no primeiro investimento positivo, se transformam num pesadelo que me fazem perguntar de que serve acreditar na vida, nas pessoas, no amor. Não é pessimismo, não: é pura constatação. Até porque, dificilmente tal constatação conseguirá matar aquela que insiste em sobreviver mesmo quando tudo parece morto, a maldita esperança, que sempre nos faz seguir mais um pouco, como idiotas submissos do verbo esperar...
Mas algo já se faz nebuloso demais para que seja visto:
afinal, o que ainda se pode esperar?

quarta-feira, outubro 28, 2009

Abertura de inferno astral

Sagitário, 28 de outubro de 2009
Hoje é um bom dia para refletir sobre as vivências do passado e tudo aquilo que se passa no seu interior, já que Mercúrio entra em seu setor das crises. É hora de avaliar novos caminhos para a vida, mas evite ser crítico demais. Cuidado para não magoar ninguém!

terça-feira, outubro 27, 2009

a marca de caim

Compartilhar é difícil, como qualquer ato que envolve relação.
Podemos não saber como falar
Podemos nos sentir marcados por diferenças que nos colocam de fora do que está sendo dito.
Mas tudo isso são cadeados a destravar, exercício, provação.
Em outras vezes, porém,
por mais que nos convoquem, não há o que destravar
o exercício é mais duro porque é impossível:
Estamos diante do incompartilhável porque a experiência que somos convocados a compartilhar
não existiu, ainda está por acontecer ou
(e aí deve se localizar o indizível aterrorizante)
não acontecerá.

quinta-feira, outubro 22, 2009

dezoito de outubro

Terá o corpo possibilidades locais?
Poderei morar no teu cangote
Quando teu pé não gosta de mim?
E quando é que teu pé não gosta de mim?
Quando é que um leve movimento do meu olho esquerdo te leva a concluir
que não gostei (inteiramente) do que disseste?
Eu gosto de tudo que dizes
O que não quer dizer que concordo,
que con_sinto.
Nunca pensei
[palma da mão aberta atravessando o ar]
em concordâncias.
Necessidades de consenso,
penso ridículas.
Das palavras,
gostar,
é como um cafuné.
Aquele deitar entre afetividades
e passar pela importância.
Exatamente?
Exatamente.
Um muito de palavras em outras dimensões,
porque aquilo que não está para o__________________
Eu queria não ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Eu não queria VVVVVVVVVVVVVVVVVVVVVVVVVVVVVVVVVVVV !
Terminar rastros com exclamações!
Não posso escrever sobre a perda dos rastros...
rastros se perdem,
uma vez perdidos: perdidos.
Não há reencontro, retomada,
aquele trumpete que levará ao encontro do que ainda não passou.
Passou, passará, está passando,
não cansa de passar...
É tempo de deixar um ponto e cair
fora.
Porque amar é saber ca
ir
fora.
[entre colchetes estontear as expressões do acordar para fazer,
fazeríade de movimento]
Fechar parênteses
e gostar faz bem.
Eu te gosto de fazer bem aos arrepios.


quarta-feira, outubro 14, 2009

prole


há uma dor em mim: não sei se é daquilo que ainda está nascendo ou daquilo que se encaminha com dificuldade e resistência para a abolição. não importa. se ainda estiver nascendo está demorando demais: hei de parir o natimorto da vida, aquilo que de tanto esperar, quando nasce já não tem tempo de viver. cérebro de ampulheta. dor de parir a vida que não nasce. parideira de natimorto de novo. de novo. de novo... não sei se tento o feto vivo prometido ou me entrego à infertilidade como a inevitável fissura que se crava em minha carne. sim, toda vida é um processo de demolição e a fissura começa num tempo imperceptível. quando me apercebi do rombo, o canion já estava aberto, rasgado, sem aprendizagem passível de fazer a costura. ampulheta na cabeça: o rombo é maior que o tempo...

sexta-feira, setembro 25, 2009

estupro

o canto do olho direito roça um objeto: um baratouro medindo um palmo aparece bordejando a janela, acenando suas antenas para mim, mero réptil inofensivo... tenho formigamentos anais, colméias vaginais, zunidos clitorianos e um útero prestes a parir os cupins que devorarão as pedras do ancoradouro onde estão amarradas as redes de proteção. respiro pelas axilas, alguma guelra nasce ali, de uma coceira. amamentações cáusticas me alimentam. tenho pernas equinas que cavalgam os pedais alados do futuro, uma sede cloacal na garganta e tentáculos cerebrais que pescam o pensamento: ele vaza do xorume de um cardume que morreu na praia... um inconsciente seminal e combustível me estupra, e este corpo não o pede nem o recusa.

quinta-feira, setembro 10, 2009

bendita vontade de espelho


A alegria dos espelhos parecia querer guardar os instantes que as retinas roubavam nos vieses do olhar...

Por alguns momentos também eu quis reter as imagens como se fossem afetos,

como se fossem memórias,

como se fossem inesquecíveis só pelo fato de as batizarmos assim...

A fugacidade diz de sua própria potência...

A memória da pele!

(imagem sonora que passa agora: “tudo em você é fugaz, tudo você é quem lança! – Lança mais! – Mais!”).

Quem dera um mundo em que os espelhos não fossem suspensões,

em que memórias não fossem suspensões,

em que afetos não tivessem que ser suspensos por uma imagem.

Estou criando as saudades que eu quero ter!

Terei saudade!

Saudade!

*Imagem: Sabina, de A Insustentável Leveza do Ser

sábado, agosto 15, 2009

esparramando-se sobre a mesa esquizofrênica*

Como saber quem é o leitor?
É preciso ser generoso e compreensível com ele, quase (ou totalmente) um escritor cristão...
Há uma linha contínua na escrita: a sacra forma-livro.
Mas queremos o livro lido pelo meio, pelas entranhas, por através, por trás, por partes, rasgado, rasurado, traído, sabotado, pervertido...
Onde mora a estética de um texto? No livro ou no meio?
Bom mesmo é ponto de interrogação: ponto bonito, sinuoso, questionador, impertinente.
E melhor ainda é quem pergunta. Mesmo que o gosto da resposta nos inunde das pílulas douradas de nosso parco saber: ideal de um ego inexistente.
Usaremos seus conceitos, mas não lhes daremos os louros. Roubo, usurpação e arte!
Ironia e não polêmica!
O fanzine contra a ciência!

*texto-produto da defesa de proposta do Jamer (DIF-PPGEDU)

quarta-feira, julho 22, 2009

mágica engarrafada

Incrível como uma substância líquida tem poderes de transporte, desde que ela carregue, engarrafados, os poderes da mágica... um vinho chileno tem o gosto da terra do Chile e você sabe disso quando toma um, mesmo que nunca tenha estado no Chile. São signos que o vinho transporta, signos da terra onde a uva nasceu.

E neste momento, os signos são muito graves, porque o vinho que tomo agora nasceu na mesma terra que eu. Um Merlot Da Paz é capaz de me levar às faltas que o tempo fez, ao que, como eu e o vinho, nasceu naquela terra, mas já não me transmite signos. Ou eu é que já não os escuto mais. Eu quase nunca gostei dos conterrâneos, sempre preferi o gosto das terras chilenas, mas o Da Paz me arrebata, me ganha, quase me arrasta de volta ao convívio das gentes que já não estão lá. Quase... Deveria eu me irmanar aos chilenos ou ir ainda mais longe, aos sul-africanos, negros vinhos, mas há um gosto de terra natal em meus pés...

segunda-feira, maio 04, 2009

entre homens e mitos

fauno.gif (414×489)

Eu disse:

“como eles podem não sentir que eu não sinto nada ?!”

E disse depois,

entre o pedido, a promessa e a praga:

“Preciso de um homem que me emocione”.

E depois de uns 10 anos depois da noite mais intensa,

eis que ressurge

o mais intenso dos abraços...

Ele disse que eu não lembrava.

Eu disse

“é claro que eu lembro”

...e de novo:

um abraço capaz de reentorpecer meu corpo...

Fauno me tomando em seu labirinto

e eu dizendo todos os sins que seu corpo convocava ao meu.

Mas depois,

quando eu saía para o mar

ele disse

“ficarei em terra firme”

e me largou sozinha

no mar das intensidades amedrontadoras e incompreensíveis...

Eu disse que eu lhe tinha medo Ulisses...

Sereias têm medo porque jamais serão Penélopes.

Eu não sei bordar colchas de espera,Ulisses,

eu só sei cantar...

eu só sei de agora

Para Felice Bauer*


A cópia dele, 

copia ela

Pra sustentar sua costela.

Leitora era ela.

Empregada 

ela prega

o prego no prelo da vida

de quem não fala.

À vida de falo

Para outro falo

Não fala.

Ele escreve a verdade

A cópia da mentira 

faz ela

E não fala

Cala

a costela 

na cara dela.


*Leitora e copista ideal de Kafka

terça-feira, fevereiro 10, 2009

o desejo é sempre de aventura

Um dia Jasão resolve dizer pra Joana* por que a deixou: "tu me exigias inteiro e intenso pra tudo, caralho! A outra não, ela fica lá do meu lado quieta e a vida passa sem fazer força".
Quem quer estar ao lado de alguém que não quer forçar a vida? Quando os casamentos ganharam esse significado medonho de descanso, de parada, de cessação da juventude?
Casamento há de ser a mais cruel das aventuras: o outro como aventura. Mas é insuportável querer o outro como aventura enquanto ele nos quer para descansar: "não, não quero ler o que tu escreveste; não, não quero saber por onde já andaste; não, não quero saber o que pensas; não, não quero ouvir as tuas propostas, não, não, não".
Então fica aí no teu apartamento com teus nãos que eu vou passear na floresta e dizer todos os sins que me forem possíveis.
(Marguerite Duras* já havia me avisado: "homens não suportam mulheres que escrevem", mas eu insisto, eu forço, eu publico para que a floresta invada teu apartamento, force tua vida com aventura e tormento, mesmo que permaneça teu medo de admitir que vens aventurar-te em meus escritos para não aventurar-te em meu corpo, afinal, hás de precisar descansar...)
*Jasão e Joana são os protagonistas da peça Gota D'Água de Chico Buarque e Paulo Pontes
*Marguerite Duras. Escrever. RJ: Rocco, 1994.

terça-feira, janeiro 13, 2009

Entre cinderelas e monstros


Como não desejar o que já foi desejado antes, um desejo afirmado, convencido, domesticado para uma só satisfação? Como fazer do sofrimento a potência da revolta e não o xilique da mulherzinha? Como libertar um fluxo que não encontra companheiros potencializantes? Só liberando... Um que não vinga, outro que goza, um que brinca, outro que broxa, um que escreve, outro que chora, outro e outro ainda... O que não posso é deixar que os fluxos que por mim passam se domestiquem, assim, facilmente, docilmente, como se as minhas únicas possibilidades fossem ser dócil ou brava... Nem dócil nem brava! Não quero ter nome! Não me nomeiem! Vocês, que pouco se ocupam do que por vocês passa... Apenas deixam passar sem nada modificar, sem nada criar com o que a vida lhes dá, de graça. Preferem sua existência doméstica comprada a prestação de desejo, com seus cães tratados como bebês, como se pudessem ensiná-los a falar! Vocês me dão nojo! Não posso habitar um mundo de um povo que pensa ser proprietário do que pensa... Não, queridinhos, pensamento não se tem, pensamento é o que passa por nós para violentar a existência e não para docilizá-la! Não sou eu que sou brava! É a existência que se enraivece:
Daiana tirava um tatu do nariz durante o jantar de família...
- Minha filha, uma princesa não bota o dedo no nariz!
- Mas eu não quero ser princesa, mãe! Quero ser monstro!

Para Lesmari Bitencourt


Meu olho esquerdo tem um ponto de vista, o outro tem outro. O dedo anelar da minha mão direita tem um ponto de vista, mas briga com o ponto de vista da sua falange do meio. Aquele poro mais aberto que tenho na ponta do nariz julga ter um ponto de vista privilegiado; o ponto de vista do dedo mindinho do pé tem inveja. O sol não gosta muito de seu ponto de vista, preferia ter ficado na borda, acha legal o ponto de vista de Plutão, mas acabou no centro. Uma estrela riu dele esses dias: quem disse que você está centro? Hahaha! Você está parecendo aquele exemplar daquela espécie que vive lá num planetinha que vive em volta de você. Esta espécie desenvolveu um ponto de vista que a faz pensar que só ela tem ponto de vista. O exemplar, que eles chamam de Bush, também achou que seu ponto vista era o centro... Ai, ai, ai... O que faz de um ponto vista melhor ou pior? Não há melhores e piores! Cada ponto de vista é só um ponto de vista! Só há perspectivas. E este é o melhor dos escambos: trocar pontos de vista! E eu ando querendo um ponto de vista de lesma...
Alguém tem pra trocar?
*Imagem: Mundo Ovo de Eli Heil