quarta-feira, setembro 19, 2007

Lipofilia & Lipofobia

Uma gorda triste senta no balcão da padaria... o que lhe resta é comer: um pastel, uma farta fatia de torta, uma Coca-Cola "normal". Ela precisa preencher o vazio da falta do amor. –Será que não tenho amor por que sou gorda? – pensa a gorda empanturrando-se do mais acessível dos prazeres: ali ao alcance de uns poucos reais pães dourados, tortas fartamente recheadas, doces e frituras... ela lembra do Jô Soares naquele velho vinil do Pluct Plact Zum “doce, doce / viver no planeta doce / veja que vida gostosa você pode aqui levar / você pode vir voando num planeta até sonhar / oh não, não tenha medo / não há perigo aqui / o pior que pode haver é você ter um piriri / oh yeah”. E tinha aquela outra do planeta das formigas... “mashmellow, chocolate, caramelo, chantilly”... Todas canções politicamente incorretas. Em tempos de "vida saudável", dão medo! E o sacrifício dos demais prazeres da vida? Quanto custa o desejo do outro? Ela tenta lembrar se alguma vez algum homem olhou bem dentro dos seus olhos como naquelas comédias românticas americanas em que o príncipe do baile desiste da gostosona burra e insensível para se dar conta que aquela feiosinha gente boa é que é a mulher da sua vida. – Será que vi muita TV e nada disso existe? – pensa a gorda já imaginando o que vai comer no jantar dali a umas duas horas. – Pizza ou X?! Mas a feiosinha sempre fica linda no final... O pedaço de torta é farto e ela já sente aquela sensação de estar cheia, completa, dolorida quando entra uma magra triste a procura da Coca Light "anormal", única ingestão que fará depois de duas horas na academia: spinning, esteira e musculação. Ela precisa preencher o vazio da falta do amor. Ela olha para a torta da gorda, sente um embrulho no estômago, tem nojo, não sabe se é da torta ou da gorda. – Credo! Não posso engordar! – pensa a magra. Ainda não tem o amor e vai pra casa correndo para perder mais algumas calorias. Enquanto corre, sente-se cheia, completa, dolorida... sacrifícios em busca do desejo do outro. E ela lembra daquela comédia romântica americana... – Nunca vi aquele olhar – E com mais uma anfetamina para colorir sua vida saudável aborta até a salada do jantar.

Um comentário:

Anônimo disse...


Adorei o texto! Escrita impecável, divertida, sarcástica, anti-hipocrisia! Adorei a referência ao Jô e ao plumct plact zum!
Vazio do amor... Entre preenchimentos e tamponamentos, pergunto-me o que se faz com as ausências em tempos contemporâneos?Suportamo-as, inflacionamo-las?
Abortos psíquicos, desistências constantes...olhares esquizos...
O que fazer do apaixonamento que acomete alguns poucos nos dias atuais? Como lidar com esse paradoxal excesso de economia da entrega e da afetação nos muitos olhares cabisbaixos que evitam em nos enxergar? Talvez, pensar em cada escolha que fazemos possa ser uma interlocução interessante do chamado "comigo mesmo". Ao ler um conto de Guimarães Rosa (A menina de lá), identifiquei-me ao também sentir eu mesma morando na Serra do Mim. Quero cada vez mais ter lucidez para fazer as escolhas que falem de mim! Quero cada vez mais ser coerente com o meu desejo!
Obrigada por essa janela de palavras, de intercâmbio de sentires e de viveres!!!
beijos,