quarta-feira, setembro 10, 2008

ALTEREGO

Seu nome de batismo é Martina Gómez. Nascida em Buenos Aires, mudou-se com o pai para o Rio de Janeiro aos três anos. Nunca soube por que, o pai nunca lhe disse. Aliás, o pai nunca dizia nada, mas ela gostava de pensar que era filha de um fugitivo político e que sua mãe era uma desaparecida da ditadura argentina cuja madre llorava en La Plaza de Mayo.
Acabou criada em plena Tijuca. Sabe tudo de samba, tanto quanto de tango e rock'n'roll, mas nunca se encantou pela batucada. Tinha sempre aquela arrogância portenha estampada na cara. O pai era tão calado que não lhe dera pudores, mas livros!
Aos 14 anos, depois de um convite para ser garçonete do botequim da esquina, foi pro calçadão de Copacabana de tubinho preto, scarpin e cigarrilha. Parecia saber o que lhe aguardava.
Sentou-se num bar à espera da primeira proposta enquanto um figurão afeminado de blazer marine a encarava do outro lado. Incomodada e sempre direta, resolveu se aproximar:
– Boa noite! – ela disse.
– Queira sentar-se senhorita – Posso oferecer-lhe uma bebida?
– Vodka... dupla, com gelo... sem limão!
Conversaram horas até ele convidá-la para ir a seu apartamento. Ela perguntou quanto ele pagaria, pois ela sabia que custava caro e sua cotação subira ao longo da noite. Ele respondeu:
– Darei exatamente o que quer.
– Sendo assim, podemos ir, senhor.
Valentim, o figurão afeminado do blazer marine, farejou em Martina um talento nato. Hoje, aos 30 anos, ela é a gerente de algumas de suas casas noturnas e sua única herdeira.
Versão morena e refinada da Kátia Flávia, é conhecida no submundo carioca como Glória. Talvez por afirmar uma origem longínqua ou mesmo só para contrariar a paisagem, jamais a encontraremos usando um esvoaçante vestidinho florido, quiçá um biquini a tostar nas areias do Leblon. Aos 40 graus, Glória estará de botas e calça de couro preta e sua pele continuará branca atrás de grandes e permanentes óculos escuros e da película de seu Citroen VTR, onde ouve John Coltrane e Sex Pistols.
Se a encontrarmos na Zona Sul, atenderá por Valèrie. É assim que a chamam seu namorado playboy de 22 anos, morador da Barra, e seus amigos, que se interessam muito por alguns produtos que ela consegue com facilidade. Ele pensa que ela é representante comercial em Porto Alegre, por isso só aparece de quinze em quinze dias... pra saltar de asa delta!
Nos outros, ela costuma freqüentar camas de motel acompanhada de Jardson, traficante do segundo escalão do Morro do Alemão que sonha em subir pro primeiro. Glória acha uma péssima idéia:
– Lugarzinho de difícil acesso, meu nego, vai acabar sem conseguir sair de lá e eu, sem conseguir chegar...
Avessa ao clima bossa nova da Zona Sul, preferiu comprar um apartamento no Catete, daqueles antigos e enormes. Mas, além de Valentim, ninguém sabe onde ela mora. Glória não se ocupa de sentimentos, a vida parece escorrer por entre seus dedos como se nada pudesse lhe fazer falta. Foi isso que Valentim reparou naquele bar de Copacabana, quando ela tinha inacreditáveis 14 anos: jamais falou sobre filhos ou sonhos, não gosta de comer, nunca se apaixonou, quer dizer... apaixonou-se esses dias... por um Lambourghini Spyder vermelho! Mas, resistiu. Sabem como é o Rio de Janeiro: convém não chamar atenção nem de bandido, nem de polícia...
Quer voltar a Praga, sua cidade favorita... tem a impressão que, da próxima viagem, poderá não voltar.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostosa! hahaha... esse vou ter que colocar anônimo mesmo!